sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A mídia seqüestrada

A cobertura do seqüestro da estudante Eloá Cristina Pimentel, em Santo André, na região do ABC paulista, mostrou que é preciso discutir a atuação da mídia em determinados casos e a necessidade de se ter clareza dos princípios que devem nortear a atividade jornalística. Após 100 horas de cativeiro a garota levou um tiro na cabeça e morreu no hospital. Sua amiga, Nayara Silva - que também foi feita refém, conseguiu ser libertada um dia depois, e voltou ao cativeiro numa ação desastrosa da polícia – foi atingida com um tiro no rosto e conseguiu sobreviver. O seqüestrador, Lindemberg Alves, foi preso.



Veículos de imprensa de todos os tipos fizeram plantão nas proximidades do prédio onde ocorria o seqüestro, captaram imagens 24 horas do local e mostraram tudo na televisão, mesmo sabendo que o seqüestrador tinha acesso à transmissão que era feita. Nos cinco dias que durou o crime, Lindemberg teve como se antecipar às ações da polícia, pois sabia quase tudo que seria feito por meio da televisão.

Nos primeiros dias do seqüestro, que começou na segunda-feira (13) a maioria dos veículos de imprensa tentou manter uma cobertura normal, sem apelar em mostrar imagens que poderiam favorecer o seqüestrador. No entanto, na quarta-feira (15), após o programa “A tarde é sua”, da apresentadora Sônia Abrão, na Rede TV, entrevistar o seqüestrador ao vivo em rede nacional, grande parte da imprensa esqueceu seu papel, seu compromisso com a ética e passou a pensar só na audiência.

Sem o mínimo de preparo para negociar com criminosos, vários jornalistas telefonaram para a casa onde ocorria o seqüestro e falaram com Lindemberg e Eloá. No programa “A tarde é sua”, o repórter ligou para o seqüestrador fingindo ser um amigo da família dele, como mostra o vídeo que foi ao ar. Depois da insistência de Lindemberg é que o repórter se identifica, mas continua mentindo dizendo que não está gravando, que só quer ajudar o rapaz. Quando o seqüestrador demonstra interesse em estar na mídia é que o repórter admite que está gravando e ensaia uma negociação com o seqüestrador.

Sem postura de jornalista, o repórter chama Lindemberg de “filho”, “velho”, “cara” na tentativa de ganhar intimidade com o rapaz. Em nenhum momento o jornalista parece atentar para o fato de que poderia dizer algo impróprio que irritasse Lindemberg. Em um trecho da conversa o rapaz deixa claro que está no comando e fala “não me deixa nervoso, cara”. Depois da gravação, a apresentadora do programa entrevista Lindemberg ao vivo e também tenta negociar o fim do seqüestro sem sucesso.



Os jornalistas passaram do limite do qual nem a família passou. A pedido da polícia, as famílias das reféns e do seqüestrador não ficaram em contato com os dois por telefone para não atrapalhar as negociações, mas a imprensa quando percebeu que isso poderia render muita audiência bateu um papo com o criminoso em rede nacional.

A atitude da Rede TV em vez de ser condenada pelo resto da mídia, encorajou outros veículos a também entrevistar o seqüestrador e divulgar suas palavras em rede nacional. Para a polícia, a interferência da imprensa atrapalhou as negociações e prolongou a duração do crime. Não há como medir os efeitos da atitude da imprensa no caso e é preciso deixar claro que o maior culpado do que aconteceu foi Lindemberg. Mas algo certo é que alguns jornalistas agiram com imperícia ao tentar desempenhar um papel para o qual não estão capacitados que é o de negociar com um seqüestrador.

A notícia virou um espetáculo e, como diz Guy Debord, em seu livro "A sociedade do espetáculo", perdeu em qualidade. Segundo o autor explica em seu livro, "a tão evidente perda da qualidade, em todos os níveis, dos objetos que a linguagem espetacular utiliza e das atitudes que ela ordena apenas traduz o caráter fundamental da produção real que afasta a realidade".

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mudança de geração

Durante as aulas, quase toda vez que falávamos do jornalismo na internet alguns comentavam que o que temos hoje não é diferente de outros meios e mais parece uma matéria de jornal num suporte online. Concordo com essa afirmação, mas acho que o meio permite uma grande mudança, no entanto, tanto quem o faz como quem o lê não descobriu ainda como ser diferente. Todo novo meio passa por uma fase de adaptação e isso está ocorrendo com a internet.

Após ler, nesta semana, pesquisadores que estudam a questão fiquei pensando que eles podem ter razão quando dizem que a mudança radical do jornalismo na internet deve ocorrer quando as novas gerações, que estão crescendo na era online, passarem a fazer jornalismo e a ler notícias de uma forma diferente.

Um dos maiores especialistas em internet do mundo, o pesquisador americano Steven Johnson, diz, em seu livro "Cultura da Interface", que apesar de o hipertexto online sugerir toda uma nova gramática de possibilidades, e de ser uma ruptura com os outros meios, ele não conseguiu, ainda, mudar a forma de se contar histórias e de se estruturar mentalmente as narrativas. Os textos na web, analisa Johnson, continuam a ser escritos como no meio impresso. Quando surgiu a internet, com uma vasta possibilidade de recursos, muitos imaginaram que mudanças drásticas iriam ocorrer.

“Jornalistas iriam enviar histórias num formato mais tridimensional – com uma série de combinações possíveis, em vez de uma peça unificada. Os links iriam transformar nossas expectativas mais básicas com relação à narrativa tradicional. Passaríamos a valorizar o ambiente sobre o argumento, a metamorfose sobre a coerência”, diz o autor em seu livro.

Para Johnson, a mudança não aconteceu até agora porque os leitores atuais estão acostumados com a leitura ordenada da narrativa. Para ele, o gosto pela prosa não-linear pode ocorrer quando as pessoas estiveram mais acostumadas às novidades do ambiente online, e “aos estranhos novos hábitos de leitura que ele exige”, cita.

Assim também pensa o pesquisador Aspen Aarseth. “Pode ser muito cedo para passar-se a um julgamento sobre o sucesso cultural do hipertexto, uma vez que mudanças culturais são muito mais lentas que inovações tecnológicas. Talvez a idéia de (Ted) Nelson de uma escrita não seqüencial seja adotada por uma geração que lê a maioria de seus textos online, e para a qual a impressão em papel parecerá graciosamente antiquada e ornamental, um pouco como as inscrições em pedra nos parecem hoje”.

"Eu ainda acredito no papel"
Convidado para falar durante o seminário sobre a Gazeta Esportiva online, o comentarista esportivo Chico Lang evidenciou bem essa questão. Ele estava lá para falar como foi a experiência de passar do jornal impresso para o ambiente online, mas demonstrou não ficar muito à vontade com o novo meio e no final da sua fala afirmou que pretende, junto com amigos, lançar um jornal esportivo impresso para ser distribuído nas ruas. Lang explicou a iniciativa dizendo: "eu ainda acredito no papel".

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Bastidores do jornalismo vazam na rede

Nesta semana, vazou na internet e logo foi colocado no Youtube um vídeo da jornalista Renata Vasconcellos fazendo careta e mostrando a língua para a câmera no intervalo do Jornal Nacional do sábado (4/10), quando ela estava apresentando o telejornal juntamente com Alexandre Garcia. Vasconcellos é apresentadora oficial do Bom Dia Brasil.



Após vazar no Youtube o vídeo logo virou notícia e o assunto foi publicado na versão online dos grandes jornais do país, como a Folha Online, e também em diversos portais de notícias. A questão me fez lembrar o assunto do seminário do meu grupo sobre notícias que vazam e a repercussão que isso tem na vida do país e da pessoa alvo do vazamento.

Neste caso, a jornalista não deve ter tido problemas, pois não deveria saber que estava sendo gravada em pleno intervalo do jornal, num ambiente fechado, e também porque o fato não deve ter sido encarado como ruim para a imagem da TV. Mas certamente ela vai pensar duas vezes antes de fazer a careta de novo no intervalo da apresentação. O caso também deve ter deixado outros jornalistas mais atentos para o que se fala e se faz quando o programa não está no ar.

Em tempos de câmera até no celular, qualquer pessoa pode estar sendo gravada a todo momento nas situações mais inusitadas possíveis. Há poucos meses, o apresentador da Bandeirantes, José Luiz Datena, se viu numa situação complicada com o vazamento no Youtube de um vídeo dos bastidores da apresentação da festa do boi de Parintins (AM), no qual ele criticava o apresentador da festa, dizia palavrões, e ainda falava mal da disputa da audiência.

Não são mais só os jornalistas que estão atentos para o que ocorre nos bastidores e para as notícias que podem vazar a qualquer momento. Com o advento da tecnologia, qualquer cidadão tem condições de fazer o papel de um jornalista, captar uma imagem ou fala e divulgá-la para uma infinidade de pessoas.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Nova mídia x velha mídia


Há dias estou querendo escrever sobre as discussões que tivemos nas aulas a respeito da internet e o papel dela no jornalismo. Vou tentar dividir minhas reflexões em vários posts para poder seguir a lição básica do jornalismo online que é fazer textos mais curtos. Apesar de, na web, o espaço ser praticamente ilimitado, é bom não desencorajar o leitor que vai desistir de começar a ler quando se deparar com vários parágrafos enfileirados em um só texto. O recursos do link, que permite agregar conteúdo em páginas diferentes, na minha opinião, é uma ótima forma de tentar fazer com que a pessoa leia mais, sem assustá-la com muitas letrinhas de uma vez só.

Bem, essa tirinha, do cartunista Arnaldo Branco, tem relação com as discussões que estamos tendo nas últimas aulas sobre o jornalismo na internet. Na aula passada (6/10), discutimos o assunto com a apresentação do seminário sobre Velocidade x Veracidade que abordou características da internet como nova mídia e seus diferenciais em comparação com as velhas mídias.

Na aula anterior, no seminário sobre a passagem da Gazeta Esportiva do papel para a internet também falamos sobre o assunto. O quadrinho evoca a discussão: "a internet vai acabar com o jornal?". Bem, mais de dez anos após o boom da internet no Brasil isso ainda não ocorreu (no Brasil...). Segundo levantamento do IVC (Instituto Verificador de Circulação), a circulação de jornais no país cresceu 8,1% no primeiro semestre deste ano em comparação com igual período do ano passado. Em média, 4,39 milhões de exemplares circularam diariamente no país nos primeiros seis meses deste ano contra 4,06 milhões de exemplares na mesma época do ano passado.

Nos últimos dez anos, no entanto, a venda de jornais caiu em todo o mundo, mas, para os analistas, isso não se deve só ao fator internet. Crises econômicas também abalaram a venda de jornais. O Brasil ainda tem outra particularidade que retarda a queda nas vendas que é o fato de grande parte da população não ter acesso a internet.

Para a editora-executiva da Folha de S.Paulo, Eleonora de Lucena, "os jornais condensam uma credibilidade difícil de ser replicada em outros meios e funcionam como uma bússola para o leitor imerso no caos informativo atual", disse ela em artigo publicado na edição do dia 8 de junho do jornal. Lucena defende o papel e o poder do jornal na sociedade, questiona sobre como ele deve se renovar para conquistar novos leitores e afirma que as previsões pessimistas do fim do impresso com o advento da internet não se confirmaram.

Na mesma edição há um texto do jornalista Eric Alterman, publicado originalmente na revista americana New Yorker, que fala da queda da venda dos jornais e da perda de valor das ações dos grupos de comunicação nos Estados Unidos. Para ele, "na era da internet ainda não apareceu ninguém com uma solução para salvar o jornal, nos EUA e no mundo". Vale a pena ler!

O professor americano Philip Meyer, autor do livro “Os jornais podem desaparecer?” diz que o fim do impresso pode ter data certa para acontecer: 2043 (leia aqui um artigo dele). Segundo o professor pode ser um pouco antes, caso seja mantida a atual tendência de queda nas tiragens e na receita de publicidade. No entanto, na opinião de Meyer, a morte pode ser evitada caso os donos dos jornais consigam identificar uma área na qual o impresso tem chances de sobreviver. Para ele, esse último filão talvez seja um maior investimento nas notícias locais.

Certo é que para continuar circulando e garantindo suas receitas os jornais terão que cada vez mais investir no furo, em reportagens analíticas e numa cobertura diferenciada dos fatos mais importantes do dia. Com o crescimento da internet e com a já massiva presença da televisão ninguém mais vai querer ler a notícia de hoje, que já está na internet e também foi veiculada no rádio e na TV, no jornal de amanhã.