A cobertura do seqüestro da estudante Eloá Cristina Pimentel, em Santo André, na região do ABC paulista, mostrou que é preciso discutir a atuação da mídia em determinados casos e a necessidade de se ter clareza dos princípios que devem nortear a atividade jornalística. Após 100 horas de cativeiro a garota levou um tiro na cabeça e morreu no hospital. Sua amiga, Nayara Silva - que também foi feita refém, conseguiu ser libertada um dia depois, e voltou ao cativeiro numa ação desastrosa da polícia – foi atingida com um tiro no rosto e conseguiu sobreviver. O seqüestrador, Lindemberg Alves, foi preso.
Veículos de imprensa de todos os tipos fizeram plantão nas proximidades do prédio onde ocorria o seqüestro, captaram imagens 24 horas do local e mostraram tudo na televisão, mesmo sabendo que o seqüestrador tinha acesso à transmissão que era feita. Nos cinco dias que durou o crime, Lindemberg teve como se antecipar às ações da polícia, pois sabia quase tudo que seria feito por meio da televisão.
Nos primeiros dias do seqüestro, que começou na segunda-feira (13) a maioria dos veículos de imprensa tentou manter uma cobertura normal, sem apelar em mostrar imagens que poderiam favorecer o seqüestrador. No entanto, na quarta-feira (15), após o programa “A tarde é sua”, da apresentadora Sônia Abrão, na Rede TV, entrevistar o seqüestrador ao vivo em rede nacional, grande parte da imprensa esqueceu seu papel, seu compromisso com a ética e passou a pensar só na audiência.
Sem o mínimo de preparo para negociar com criminosos, vários jornalistas telefonaram para a casa onde ocorria o seqüestro e falaram com Lindemberg e Eloá. No programa “A tarde é sua”, o repórter ligou para o seqüestrador fingindo ser um amigo da família dele, como mostra o vídeo que foi ao ar. Depois da insistência de Lindemberg é que o repórter se identifica, mas continua mentindo dizendo que não está gravando, que só quer ajudar o rapaz. Quando o seqüestrador demonstra interesse em estar na mídia é que o repórter admite que está gravando e ensaia uma negociação com o seqüestrador.
Sem postura de jornalista, o repórter chama Lindemberg de “filho”, “velho”, “cara” na tentativa de ganhar intimidade com o rapaz. Em nenhum momento o jornalista parece atentar para o fato de que poderia dizer algo impróprio que irritasse Lindemberg. Em um trecho da conversa o rapaz deixa claro que está no comando e fala “não me deixa nervoso, cara”. Depois da gravação, a apresentadora do programa entrevista Lindemberg ao vivo e também tenta negociar o fim do seqüestro sem sucesso.
Os jornalistas passaram do limite do qual nem a família passou. A pedido da polícia, as famílias das reféns e do seqüestrador não ficaram em contato com os dois por telefone para não atrapalhar as negociações, mas a imprensa quando percebeu que isso poderia render muita audiência bateu um papo com o criminoso em rede nacional.
A atitude da Rede TV em vez de ser condenada pelo resto da mídia, encorajou outros veículos a também entrevistar o seqüestrador e divulgar suas palavras em rede nacional. Para a polícia, a interferência da imprensa atrapalhou as negociações e prolongou a duração do crime. Não há como medir os efeitos da atitude da imprensa no caso e é preciso deixar claro que o maior culpado do que aconteceu foi Lindemberg. Mas algo certo é que alguns jornalistas agiram com imperícia ao tentar desempenhar um papel para o qual não estão capacitados que é o de negociar com um seqüestrador.
A notícia virou um espetáculo e, como diz Guy Debord, em seu livro "A sociedade do espetáculo", perdeu em qualidade. Segundo o autor explica em seu livro, "a tão evidente perda da qualidade, em todos os níveis, dos objetos que a linguagem espetacular utiliza e das atitudes que ela ordena apenas traduz o caráter fundamental da produção real que afasta a realidade".
Avaliação
Há 16 anos